quarta-feira, 26 de maio de 2010

Os stickers ganham as ruas

Mateus Parreiras
REPÓRTER

www.hojeemdia.com.br

Os jovens chegam, aos poucos, ao Cine Belas Artes, ao lado da Praça da Liberdade, em Lourdes. Usam tênis simples, calças largas, bonés, cabelos compridos ou tranças “dreadlocks”, estilo jamaicano. De dentro das suas mochilas, sacam cartazes com desenhos, pinturas, figuras, adesivos, formas e mensagens em spray. Enquanto conversam e bebem, um deles mistura num recipiente plástico água, amido de milho e soda cáustica. O “grude” é para uma atividade que ganha cada vez mais adeptos entre os jovens. Eles percorrem as ruas na calada da noite para pregar nos muros, paredes, postes e mobiliários urbanos os cartazes “stickers”.

Peças de uma arte urbana com mensagens sociais, políticas, poéticas e irônicas, confeccionadas pelos próprios jovens, os stickers ocupam um espaço antes dominado pelos pichadores. Porém, segundo os adeptos, que preferem a denominação “coletivos urbanos”, eles não formam gangues nem se desafiam a deixar sua marca em locais perigosos e ousados, como alto de edifícios e guarda-mãos de viadutos.

“A idéia do sticker é justamente fazer um diálogo da rua com a rua pela arte e pela mensagem. Nossa única regra é não colar o poster sobre o de outra pessoa”, conta um deles, pseudônimo Culundria, 30 anos.
Na noite de segunda-feira, o HOJE EM DIA acompanhou alguns coletivos urbanos que atuam na capital mineira. A arte dos posters e adesivos, apesar de apreciada por muitos e cada vez mais popular entre jovens e adolescentes da cidade, é proibida, considerada pelo Código de Posturas da prefeitura como publicidade ilegal.

Pela interpretação da lei municipal 8.616, propaganda é qualquer forma de difusão de idéias. A instalação ou manutenção de engenho de divulgação de publicidade em desacordo é sujeita a notificação, sob pena de aplicação de multa.

Por isso, a ação dos jovens costuma ser furtiva. O grupo acompanhado pela reportagem vem de vários bairros da capital, de Contagem, Ibirité, Santa Luzia e outras cidades da Região Metropolitana. O destino é a área central da cidade, onde há maior movimento, o “coração” das cidades. “Nossos trabalhos são manifestações para colaborar com o caos urbano mesmo. Nós nos integramos a ele”, define Estandelau, 25 anos.

A primeira intervenção da noite foi no muro de blocos de concreto de um estacionamento da Avenida Bias Fortes. O grupo é rápido. A cola é postada de frente para o muro. Eles retiraram os seus desenhos de cores fortes ou frases em preto e branco de dentro das mochilas e começam a molhar os rolinhos de pintar com o grude. Lambuzam os muros e os papéis e começam o trabalho de colagem. Em pouco tempo, fazem seqüências de desenhos, uns sobre os outros, numa composição imediata e espontânea. Quem cola primeiro vigia depois e vice-versa. Mas a preocupação com a fiscalização não é muito grande.
“Não conheço ninguém que rodou (foi pêgo) por causa de sticker. Uma vez, um guarda me parou e perguntou o que estava fazendo. Disse que estava arrancando o cartaz e ficou por isso mesmo”, conta Desali, 25 anos.
Desali e Estandelau estavam entre os grafiteiros que tiveram partes consideradas obscenas dos seus desenhos censuradas pela comunidade do Bairro Cruzeiro, na Região Centro-Sul. Tarjas foram aplicadas sobre certas partes do corpo. “É uma hipocrisia ver essa censura sobre a arte de rua. Mas nós gostamos de ter provocado essa reação. Culundria Armada teve um sticker censurado depois de fotografado e exposto na capa de uma revista. “Fizeram a foto de uma modelo na frente de um ursinho que produzi com a mensagem: ‘masturbe seu urso’. Apagaram a frase, mas se apropriaram do meu ursinho”, protesta.

Nas ruas, o trabalho deles é pouco notado e mais tolerado do que as pichações tradicionais. Quando indagadas sobre um sticker todo colorido numa caixa de cabeamento da Rua Ceará, as amigas Eliete Primo e Pulsina Maria Silva, ambas de 56 anos, elogiam a intervenção.